Maria amava. Amava um, amava dois, amava quantos o seu sentimento de amor permitisse. Amava amores. E não achava justo ter que escolher um, já que eram todos tão diferentes e ela não tinha uma máquina de medir o tamanho do amor por cada um. Suspeitava, inclusive, que se esta existisse provavelmente as medidas seriam muito semelhantes, senão iguais. Achava injusto medir amor e se perguntava por que as pessoas a pressionavam tanto para escolher um único amor se ninguém a perguntava qual de seus amigos ela amava mais, por exemplo. Amava todos, de diferentes maneiras. Entendia o amor como um sentimento e, como tal, não achava justo destiná-lo única e exclusivamente a uma pessoa.
Durante algum tempo Maria se perguntava se tinha algo de errado com ela. As pessoas diziam que desde a adolescência não conseguia manter nenhum namoro, pois tinha dificuldade em ser fiel. Ela, por sua vez, achava que tinha algo estranho com o contrato de fidelidade que as relações amorosas ofereciam. Outros diziam que ela tinha dificuldade em manter vínculos. Mas e todos os amigos e todo o carinho que tinha pelas pessoas próximas? Um dia, Maria leu um artigo na internet sobre poliamor e relações não monogâmicas e entendeu que aquilo que todos nomeavam como dificuldade era, na verdade, a sua forma de amar.
Você sabe o que são relações não monogâmicas?
Você conhece algum tipo de relação não monogâmica com consentimento dos envolvidos? Já ouviu falar em poliamor? E relações livres? Ou relacionamento aberto? Ou talvez, ainda, swing? Algum destes termos lhe é conhecido? Mas antes de explicar o que são relações não monogâmicas, quero lhe fazer outras perguntas.
Você lembra quando aprendeu que deveria escolher somente uma pessoa para ter um relacionamento amoroso? Quando aprendeu que deveria encontrar a metade da sua laranja, unir-se a ela e viver feliz para sempre "até que a morte os separe"? Quando aprendeu que para a vida ser completa era preciso encontrar o seu par, a parte que lhe falta? Acho engraçado. Quando eu leio estas perguntas enquanto escrevo, a minha resposta automática é "desde sempre!". Lembro de aprender pelos contos de fada desde pequena, pelos modelos de casais da minha família e pelo que me ensinaram na escola, na TV, nas revistas, etc.
Pois é... Acontece que na vida real não precisa ser assim. Pode ser, se você acha legal e se identifica com esta ideia. Mas não precisa ser. Pode ser diferente. E é aí que entra o poliamor e as demais relações não monogâmicas.
As relações não monogâmicas trazem a possibilidade de se ter vários amores, ao mesmo tempo, com o mesmo nível de importância ou não. Apontam o entendimento que o amor deve ser o centro das relações afetivas, que o amor é livre e, portanto, não pode ser forçado, direcionado ou impedido de ser sentido. Defendem, assim, que é possível e válido manter relações íntimas e/ou sexuais com múltiplos parceiros (as) simultaneamente.
Mas poliamor, relações abertas, relações livres, swing são a mesma coisa?
Não, os termos acima mencionados não são todos a mesma coisa, porém tem algo em comum: a não monogamia - relacionamentos que não se restringem a duas pessoas. O que muda em cada termo é o contrato da relação e, uma vez que os contratos íntimos são realizados entre parceiros (as), podem apresentar configurações diversas. Entenda algumas destas configurações e como estão sendo nomeadas atualmente:
Independente da configuração (quantas pessoas envolvidas e qual o contrato entre elas), os termos são importantes para nomear e dar visibilidade a relações que não se encaixam nas formas tradicionais de amar. Ou seja, para nomear e visibilizar as relações não monogâmicas. Além disso, todas nós podemos aprender muito com os questionamentos que elas trazem e com o novo olhar para o amor que elas propõem.
O que qualquer mulher pode aprender com a não monogamia?
A verdade é que, independente se você é monogâmica ou não, todo relacionamento tem contrato. Sim, contrato. E cada contrato será diferente. Olhar para as relações não monogâmicas mostra a importância de tornar este contrato consciente para qualquer relação. Pessoas que vivem relações não monogâmicas costumam dialogar muito mais sobre o que é aceito ou não na relação. Acreditam que através do diálogo e dos acordos diminuem o risco de colocar o outro em uma situação abusiva ou tóxica e ajudam a emparelhar as expectativas no relacionamento.
Se você está em um relacionamento: tem clareza qual é o contrato deste? Você já parou para pensar o que significa fidelidade no seu relacionamento? E infidelidade? E respeito, amor, companheirismo, parceria? E como vocês definem a responsabilidade de cada um nas tarefas diárias, sejam domésticas, financeiras ou de outra ordem?
Todo casal constrói o seu contrato na medida em que o relacionamento vai evoluindo. O problema é que nem todos tem consciência do que foi acordado e nem sempre este contrato é construído em conjunto. Muitos casais em conflito, após avaliarem a relação, percebem que vivem juntos em contratos diferentes.
Por exemplo, Laura e João após mais de quinze anos juntos, ao refletirem sobre o conceito de família, perceberam que para Laura a prioridade eram os filhos, enquanto para João a prioridade era o casal. Este não seria um problema se ambos soubessem o que era prioridade para o outro e vivessem juntos conscientes disto. A questão é que, durante anos, o casal viveu em conflitos por imaginar que o outro também priorizava aquilo que era sua prioridade. Laura esperava que João priorizasse os filhos. João esperava que Laura priorizasse o casal. E assim viviam em brigas estilo pingue-pongue, um querendo ganhar do outro. Quando entenderam que viviam em contratos diferentes, puderam reavaliar e refletir qual seria o melhor contrato para os dois, um que valorizasse tanto os filhos quanto o casal.
Este tipo de confusão é comum em relacionamentos, pois as pessoas com quem dividimos nossa intimidade são aquelas com quem temos relações mais complexas. Com elas dividimos a nossa vida cotidiana e tudo que ela envolve. E junto com isso compartilhamos o amor um pelo outro e tudo que a manutenção de um relacionamento envolve, como confiança, respeito, admiração, etc. Não existe uma fórmula que enquadre todas as relações amorosas e formas de amar. Amar é construção. E construção exige diálogo, algo que nem sempre é fácil na vida conjugal, mas é muito possível.
Por fim...
O que ficou desta leitura para você? Qual reflexão você fez enquanto lia este texto? A ideia aqui não é defender que você deve ter relações não monogâmicas. E sim que você possa aprender com elas, independente de como você se sente com relação à monogamia ou não monogamia. É lembrar que todas somos livres para amar quem queremos e como queremos. E que podemos nos relacionar com quem quisermos e como quisermos, desde que internamente estejamos de acordo com isto. E os acordos não servem para limitar o relacionamento. Servem sim para esclarecer, fortalecer, tornar consciente, e deixar todos os envolvidos em sintonia, sejam dois, três, quatro ou quantos vierem a ser.
Psicóloga CRP 07/26032 com Especialização em Terapia Sistêmico-Cognitivo de Famílias e Casais. Tem como missão auxiliar pessoas e casais a descobrirem e se conectarem com sua forma de amar. Hoje realiza sua missão através dos atendimentos clínicos online a adultos e casais e também através da capacitação Ser Terapeuta de Casal que educa e empodera psicólogas no atendimento com casais. Luta por um mundo em que a diversidade seja reconhecida para que todos possam receber atenção, acolhimento e atendimento qualificado. Idealizadora deste site de indicações e supervisora das psicólogas/os nele cadastradas/os.